Análise da
obra
A terceira
margem do rio, da obra Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, é
narrado em primeira pessoa e é o mais famoso e o mais aberto conto do autor.
Existe no conto uma intertextualidade bíblica com Noé.
Tempo
Neste
conto o tempo cronológico é de um longo período, toda a vida do narrador. Mas a
intensidade com que as impressões e o amadurecimento do narrador são
trabalhados dão enfoque ao tempo psicológico.
Espaço
O espaço é
delimitado pela presença concreta do rio, caracterizando a paisagem rural de
sempre. Desse espaço, como foi comentado anteriormente, emanam magia e
transcendentalismo aos olhos do leitor, no ir e vir do rio e da vida.
Personagens
Os
personagens são: filho (narrador-personagem), pai (“virara cabeludo, barbudo,
de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com aspecto de
bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de
tempos em tempos fornecia”), mãe, irmã, irmão, tio (irmão da mãe), mestre,
Padre, dois soldados e jornalistas.
Esses
personagens, sem nomes, acabam se caracterizando como tipos sociais, por suas
funções na história. A observação desse aspecto já mostra, no pai, a tendência
ao isolamento. Sempre fora a mãe a responsável pelo comando prático da família.
O pai, sempre quieto. O filho e narrador não foi aceito na infância para
companheiro do pai no seu desafio. Na maturidade, quando tem a oportunidade,
acha não estar preparado para ir rumo ao desconhecido, ao
"inominável".
Recursos
de estilo
• Toda
essa estranha história vem vazada no já comentado estilo típico de Guimarães
Rosa. A oralidade é reproduzida na fala do narrador: Do que eu mesmo em
alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros,
conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem ralhava no diário com a gente.
• As
frases, curtas e coordenadas, independentes, garantem um ritmo lento e pausado
à leitura: Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava
para cá concordando.
• A
sintaxe é recriada de maneira inusitada, provocando estranhezas durante a
leitura: "não fez a alguma recomendação", "nosso
pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas,
que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão,
daquele".
• A
repetição também é um recurso expressivo comum ao autor, como no caso: e
o rio-rio-rio, o rio sempre fazendo perpétuo.
•
Neologismos também estão presentes ("diluso", talvez variante de
diluto, diluído; ou "bubuiasse") ao lado de termos regionais como
"trouxa", no sentido de comida e roupas, típico no falar dos
boiadeiros; além de outras palavras pouco comuns: encalcou, entestou etc.
• As
figuras de linguagem reforçam o lado poético do conto como exemplificam a
gradação "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!", a antítese
"perto e longe de sua família dele", além do próprio caráter
metafórico do rio.
Sem
dúvida, todos esses recursos geram dificuldade ao leitor que desafia a obra
rosiana. Mas, uma vez enfrentados, eles permitem o acesso ao mundo do
"encantatório", ao mundo do desconhecido, da terceira margem, que só
poderia ser recriado por uma linguagem também recriada e nova, capaz de
refletir todo o deslumbramento desse universo.
A temática
deste conto é a loucura.
Desde o
título, o leitor já depara com o insólito da obra rosiana: o que vem a ser a
terceira margem do rio? A expressão provoca o entendimento a fim de despertá-lo
para o mundo do inconsciente, do abstrato. A terceira margem é aquilo que não
se vê, que não se toca, que não se conhece.
O pai, ao
ir à procura da terceira margem do rio, busca o desconhecido dentro de si
mesmo; o isolamento é a única maneira encontrada para procurar entender os
mistérios da alma, o incompreensível da vida. A estranha história do homem que
abandona sua família para viver em uma canoa e nunca mais sair dela é o
argumento exemplar usado pelo autor para discorrer sobre o medo do
desconhecido.
O rio
sempre teve destaque na imaginação do autor:
[…] amo os
grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito
vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os
sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a
eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade.
Guimarães
Rosa
Um aspecto
interessante a ser notado é que o narrador, quando criança, queria embarcar com
o pai. Este o impediu. Adulto, intui o porquê da busca do pai e, chegando-se à
margem do rio, diz que quer substituí-lo. É o único momento em que o velho se
manifesta, indo em direção à margem. No entanto, o narrador fica com medo da
imagem do pai, que parecia vir do outro mundo. Foge. Por isso, torna-se a única
personagem fracassada, pois não foi capaz de transcender, de realizar seu
salto.
Resumo do
conto
A terceira
margem do rio conta a história de um homem que evade de toda e qualquer
convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do
rio, lugar em que, dentro de uma canoa, rema “rio abaixo, rio a fora, rio a
dentro”.
Por
contradizer os padrões normais de comportamento, ele é tido como um
desequilibrado.
O
narrador-personagem é seu filho e relata todas as tentativa da família,
parentes, vizinhos e conhecidos de estabelecer algum tipo de comunicação com o
solitário remador. Contudo o pai recusa qualquer contato.
A família,
inicialmente aturdida com a atitude inusitada do pai, vai-se acostumando com
seu abandono. Com o tempo, mudam-se da fazenda onde residiam; a irmã casa-se e
vai embora, levando a mãe; o irmão também muda-se para outra cidade. Somente o
narrador permanece.
Sua vida
torna-se reclusa e sem sentido, a não ser pelo desejo obstinado de entender os
motivos da ausência do pai: “Sou homem de tristes palavras. De que era que eu
tinha tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o
rio-pondo perpétuo.”
Um dia,
dirige-se ao rio, grita pelo pai e propõe tomar o seu lugar na canoa. Mediante
a concordância dele, o filho foge, apavorado, desistindo da idéia: “E estou
pedindo, pedindo, pedindo um perdão. (...) Sei que ninguém soube mais dele. Sou
homem depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado.”
O
narrador-personagem nos dá a conhecer um ser humano cujos ideais de vida
divergem dos padrões aceitos como normais. Trata-se do pai do narrador, o qual
com sua atitude obstinada, ao mesmo tempo, afronta e perturba seus familiares e
conhecidos, que se vêem obrigados a questionar as razões de seu isolamento e
alienação.
O único a
persistir na busca de entendimento da opção do pai é o narrador, que não
descuida dele e chega a desejar substituí-lo. A escolha do isolamento no rio
instiga permanentemente o filho. Este é levado a questionar o próprio existir
humano.
Parabéns pelo blog, ficou muito bonito e bem organizado, com linguagem simples e de fácil entendimento.
ResponderExcluirPersonagem Carolina, do livro A moreninha.
Este conto é fantástico, assim como o livro.
ResponderExcluirMuito bem elaborado o blog, bonito e interessante, perfeito para quem é fascinado pelo mundo da leitura. Parabéns (: